Nasce o tão esperado filho. Nasce
uma família com preocupações e novos gastos, mas aqui em casa a nova filha
passou por complicações no parto que a levaram a uma lesão hipoxico-isquêmica
ou, para facilitar a leitura, a ser uma pessoa com necessidades especiais.
Necessidades essas que só com o tempo pudemos notar e que, incessantemente,
lutamos para diminuí-las.
Além de todos os tratamentos,
opiniões de especialistas, buscas de terapias alternativas e complementares, além
de tudo aquilo que nos deparamos e desbravamos quando nos dedicamos a uma causa,
veio também uma nova forma de consumo.
O mundo inteiro sabe que o Brasil
é verdadeiramente atrasado em relação à acessibilidade e disponibilidade de
produtos adaptados para seus habitantes. São poucas as nacionais empresas
especializadas e, normalmente, a importação é o meio mais seguro de adquirir
produtos realmente úteis e eficazes, porém as altas taxas de importação, o
risco de o produto ser retido e novamente taxado na Alfândega e,
principalmente, o fato de não termos como testar em nossos filhos aquilo que
compramos para ele, tornam a aquisição de algo “recomendado” para o bom
desenvolvimento de nosso pequeno pacote que veio com “defeito” de fábrica um
grande tormento.
Após seis anos e meio de
“maternidade especial”, hoje, posso dizer que já experimentei muita coisa,
segui inúmeros conselhos de terapeutas, comprei coisas boas e que ajudaram
muito a Izabel a ter, sim, melhor qualidade de vida, assim como adquiri
produtos que não foram úteis para ela, pois faltavam adaptações ou tamanho
inadequado para ela. Enfim, o risco que se tem quando se compra sem ver. E ver
não é apenas testar por um instante, ver é saber como funciona no dia a dia,
qual a praticidade daquilo, como após 30 minutos a criança vai estar se
portando, etc.
Digo isso, pois minha última
grande aquisição foi um carrinho, o Kimba Spring. Comprei o produto usado pelo
e-bay da Alemanha e pedi para enviarem à Amsterdam, onde mora uma amiga que eu
visitaria em breve. Quando cheguei, deparei-me com aquele trambolhão. Era
enorme o carrinho e vinha apenas com um suporte peitoral. Eu achava que incluía
cinto de cinco pontos, mas não. A compra em si foi útil, pois é uma cadeira
muito boa e confortável, mas quando retornei ao Brasil tive que procurar uma
revendedora e adquirir suportes opcionais para que Izabel pudesse ficar bem
posturada em seu novo veículo. Aquisição essa que custou a metade do preço do
Kimba. Essas coisas acontecem e, infelizmente, não adianta estressar ou
frustrar.
Pessoas com necessidades
especiais são chamadas dessa maneira porque necessitam sempre de algo além, de
algo diferente do que encontramos no mercado. E é aqui que mora o tópico para o
qual chamei atenção através do post. A indústria que existe por trás de todas
essas questões. A mesma indústria que torna acessível por facilitar, adaptar e
incluir, só proporciona isso para quem tem condições financeiras. Sobretudo no
Brasil, não temos uma política favorável a facilitar a aquisição desses
necessários produtos. Tudo poderia ser feito através de uma análise, perícia
médica, como acontece na Europa, por exemplo. Mas não. Ou você depende das
associações, que disponibilizam produtos com qualidade muito inferior aos estrangeiros,
ou paga do próprio bolso a importação dos mesmos.
Durante alguns anos, desde que me
deparei com essa questão fiquei, sim, muito desestimulada. Queria o melhor para
a minha filha, mas não tinha condições de adquirir. Porque os produtos são
caríssimos, porque não fazem algo que seja realmente acessível. Afinal de
contas, acessibilidade é também “a qualidade do
que é acessível, ou seja, é aquilo que é atingível, que tem acesso
fácil. É um substantivo feminino que está relacionado àquilo
que tem facilidade de aproximação, no trato e na aquisição”. Mas na
prática não é tão fácil assim adquirir o que se precisa.
Após a revolução industrial, com o
surgimento da produção em massa que barateou os produtos através de um padrão
de produção em larga escala, muita coisa se tornou acessível para a população,
mas claro, entendo que neste caso, especificamente, os equipamentos adaptados
não têm como serem feitos em tão larga escala, pois apenas uma parcela da
população os utiliza e, mesmo assim, muitas vezes necessitam de adaptações
extras. Ou seja, muitos produtos são quase personalizados e isso acaba por torná-los
cada vez mais caros. Porém, fica a dúvida mais uma vez, porque não fazê-los de
forma torná-los mais econômicos ou utilizáveis por mais tempo?
O governo não vai se responsabilizar
por incluir novos cidadãos com necessidades específicas tornando suas vidas
mais práticas. Nem os espaços públicos são acessíveis, nem as ruas de
Copacabana, onde encontramos um dos IPTU´s mais caros do mundo, tampouco o
prédio do meu pai, nem os ônibus, metrôs, táxis, áreas de lazer, parques, escolas,
teatros, cinemas, de um modo geral são acessíveis, porque então viabilizar
produtos adequados?
Enquanto isso, as lojas especializadas
vão se firmando como únicas provedoras de produtos para portadores de
necessidades especiais, sentindo-se muito à vontade para cobrar os mais altos
valores ao passo que os revendedores nacionais continuam a importar os produtos
com sobretaxa para revendê-los pelo dobro do preço de custo.
Acredito que essa questão ficará em
aberto por muito tempo e como alternativa, só vejo a possibilidade de criarmos
uma enorme rede de trocas. O famoso é dando que se recebe. Quem sabe através de
um pensamento mais igualitário, não conseguimos que um maior número de pessoas
tenha os equipamentos que necessita?