quarta-feira, 7 de abril de 2010

O advento da sucção



Esperança traz sempre algo positivo, nem que seja somente o sentimento. Esperança enche o nosso peito de alegria. É uma resposta interna àquilo que sentimos. Foi algo fundamental na luta árdua que eu vinha traçando com a minha filha. E valeu à pena me encher de esperança...

Às 17h e alguns minutos daquela segunda-feira, Deus colocou no meu caminho uma pessoa iluminada, compromissada e que lutava pelo mesmo bem que eu. Simpática, sorridente e confusa, ela não poderia ser melhor. A fonoaudióloga Deise Jaffar é diferente de TODAS as outras fonoaudiólogas que eu conheço. Não digo isso pelo resultado do trabalho que fez com minha filha apenas. Digo, afirmo e indico por ter conhecido melhor a pessoa que ela é. Inigualável, inimaginável. Infelizmente, ela é única. Pelo menos até agora, ainda não tive a oportunidade de ser apresentada a alguém como ela.

Aquele primeiro encontro entre Izabel e Deise, eu só pude observar por de traz dos vidros (ainda bem que na UI tinha um vidrão que dava para a sala de espera!). A visita dos pais havia encerrado às 15h, então fiquei namorando minha filha na sala de espera até a fonoaudióloga chegar. Esse foi o dia que fiquei mais tempo naquele hospital, pois normalmente eu ia para casa no intervalo entre a visita matinal e a noturna.

Deise entrou, foi na sala dos médicos, deu uma olhada rápida no prontuário, colocou sua luvinha cirúrgica e foi atender a princesa. Esperou passar um pouco do horário da dieta para deixar a Izabel com bastante fome. (Na UTI, o recém-nascido come rigorosamente de 3 em 3 horas. Se o bebê tiver algum problema de digestão ou refluxo, o volume da dieta dele é diminuído com base no volume total diário, mas sua dieta vai acontecer a cada duas horas)

Claro que minha pequena estranhou aquele ser que a manipulava e abriu o maior berreiro. Até hoje as seções de fonoaudiologia são assim! Com muita prática e um pouco de psicologia, Deise conseguiu introduzir a mamadeira “chuça” na pequena boca da Bebel. Logo de cara, Izabel mamou 5 ml. Eu vibrei de felicidade, mas não queria transparecer, afinal até agora todos tinham falado que ela não sugava, como poderia ter mamado de primeira 5 mililitros de leite?

Deise continuou o trabalho muscular, isso é introduzindo o dedo na boca da Izabel, ela fazia aqueles movimentos necessários para despertar sua sucção. Muito choro da Izabel e nenhuma intimidação por parte da profissional. Comecei a perceber que estávamos no caminho certo... Logo, a próxima mamadeira chegou. Izabel tinha sido trabalhada, tinha provado o sabor do leite e tinha descansado. Lá estava a nova dieta e ela mostrou que estava aprendendo direitinho, mamando desta vez 13 ml.
Já estava chegando a hora da visita noturna, então Deise organizou a Bebel direitinho e foi relatar o que tinha acontecido para os médicos, após anotar cada detalhe sobre a minha filha no prontuário.

Pela primeira vez Izabel tinha se alimentado via oral. O volume foi bem inferior ao volume habitual da dieta, mas aos pouquinhos ela chegaria lá.


Deise me explicou como a musculatura da minha filha era travada e falou que ela tinha o reflexo de sucção, mas invertido. Ao invés dela trazer a linguinha para frente, ela fazia uma ondulação da metade da língua para trás em direção à garganta. Então, o grande lance era inserir bem o bico na bica dela e segurar a mandíbula para ela ter estabilidade na hora de mamar. Tínhamos também que fazer uma dobrinha no queixo dela para que facilitasse a vedação dos lábios e não se desperdiçasse tanto leite.

Ela se mostrou muito otimista, mas falou que iríamos enfrentar uma batalha e que nós (eu e o Lídio) teríamos que ficar do lado dela. E nós topamos. Deise impôs um ritmo de trabalho. Falou sobre a importância que era a Izabel ser manipulada antes de cada refeição. Falou que ia se desdobrar entre idas e vindas quase que diárias de Rio das Ostras para Niterói, nos horários mais malucos e assim o fez.
[Ficar ao lado dela significou assinar um termo de responsabilidade para ela poder trabalhar com a minha filha (que a diretoria me fez assinar no dia seguinte), acreditar no trabalho dela, manipular as dietas da Izabel quando ela não estivesse presente, me manter firme diante a equipe que afirmava que minha filha não tinha sucção e agüentar os olhares retorcidos da fonoaudióloga residente da UTI. Não foi tarefa fácil! Várias vezes passou pela nossa cabeça desistir, mas a mesma esperança citada no início do post nos fez seguir adiante]

Ainda durante a visita noturna, eu e o Lídio fomos até os médicos e pedimos para desmarcar a operação que estava confirmada para quinta-feira.
Na terça-feira, a terapia fonoaudiológica intensiva da Izabel estava prestes a começar. Deise trabalhou horas a fio e no final do dia a surpresa: Bebel havia sugado aproximadamente 100ml (em doses homeopáticas, claro, e alternando com a alimentação parenteral).

Os dias que sucederam foram assim. Bebel sempre surpreendia no final das contas. O grande problema era quando a Deise não podia ir, porque a equipe médica não autorizava ninguém a dar o leite via oral para minha pequetucha. Então, sempre que isso acontecia, ela acabava regredindo um pouco, afinal, era mais cômodo para ela se alimentar pela sonda e quando a fono voltava no outro dia para fazer o trabalho ela resistia um pouco mais. Até que a Deise pediu permissão para eu e o Lídio darmos a dieta durante o nosso horário de visita, caso ela não estivesse presente. A equipe permitiu e finalmente nós entramos em campo.

Ficávamos tensos, nervosos era muito pior ver todo mundo de olhar virado para a gente do que para a fono. Tivemos que enfrentar os médicos, a fono da UTI e algumas mães que reclamavam do choro da Bebel e achavam que o tratamento intensivo era um absurdo e fazia mal para ela. Me descontrolei algumas vezes, mas em geral, procurava manter a calma e ignorar o pensamento alheio. A filha era minha, eu sabia o que era melhor para ela!

Mas sempre que a gente se levanta, vem alguém e tenta nos derrubar, impressionante. Foi quando no auge do sucesso do trabalho da Deise, a enfermeira chefe me chamou para conversar e disse que a fono não poderia continuar o trabalho. Eu quase surtei. Chorei. Implorei e nada. A própria gerência já tinha tomado sua decisão.
Como assim? Era a nossa filha em jogo. Nós sabíamos o que era melhor. Izabel precisava fazer fono diariamente e nós não queríamos que a profissional residente a atendesse, ainda mais agora, depois desse estardalhaço todo.

Meu marido ficou enfurecido. Nessas horas homem funciona que é uma beleza. O poder do tom de voz masculino é indiscutível, ainda mais quando a outra parte também é do sexo masculino. O Lídio ligou e pediu para falar com o diretor da unidade. Não foi atendido de primeira. Lá pela quarta tentativa o homem viu que não ia ter como fugir e nos atendeu. Educadamente o meu marido falou que não estava de acordo com a retirada da fono por parte deles. Que a nossa filha precisava do tratamento e não existia a possibilidade de ficar sem. No primeiro momento o diretor tentou persuadi-lo, dizendo que a legislação não permite que os pais decidam o que é feito em uma unidade de tratamento intensiva. Então o Lídio foi para o lado passional, mostrou o seu ponto de vista, exemplificou e metaforicamente inverteu o papel. Tentou humanizar a situação colocando o diretor na nossa pele. Na pele de pais desesperados pela recuperação de sua filha. Pais que não mais poderiam esperar para levar sua pequena preciosidade para casa. Pais que queriam começar a vida de pais e deixar de lado aquele universo hospitalar. Só assim o homem cedeu e permitiu que a profissional de nossa escolha continuasse a atender a nossa filha.
Então tudo voltava a ser como antes. A cada dia a Deise se dedicava integralmente à Izabel Tiveram dias que ela ficou mais de 10 horas acompanhando o máximo de dietas da Bebel, que aos poucos foi pegando o ritmo.

E foi assim que o advento da sucção se deu. Quando ninguém mais acreditava. Quando ela já estava prestes a sofrer uma intervenção cirúrgica delicada que poderia comprometer ainda mais o desenvolvimento da musculatura oral, pois ela ia usar bem menos a musculatura se tivesse uma sonda para se alimentar, uma luz surgiu no fim do túnel e mostrou para a nossa filha que ela podia se alimentar. Deise através de seu trabalho persistente e dedicado conseguiu mostrar para Bebel que só dependia dela.
O empecilho maior para a alta era realmente a equipe da UTI. Entendo que existe uma responsabilidade muito grande por se tratar de uma unidade de tratamento intensiva. Mas há casos e casos. E no nosso caso, o importante era a Bebel sugar o máximo possível. E a equipe médica ainda não permitia que as enfermeiras fizessem esse exercício com a Bebel.

A Bebel não podia mais continuar naquele lugar... Foi quando então veio a possibilidade de irmos para um hospital pediátrico.

4 comentários:

  1. Que luta Bruna..., mais vc e seu marido foram escolhidos exatamente por serem assim tão capazes!! Deus continue os capacitando ainda mais pra cuidar dessa princesinha que é a Izabel!! bjusss

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  2. Bruna,tenho tanto orgulho da minha filha Helena fazer parte da vida da Bebel e de ter a certeza de que serão grandes amigas!!Vocês são muito especiais e um grande exemplo de força.Um beijo dos amigos,Clarinha e Marcelo

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  3. Li a estória de vocês e sou fonoaudióloga. Realmente, sua estória mostra que existem profissionais e profissionais em todas as áreas e a persistência de vocês fez toda a diferença. Gostaria de entrar em contato com a fono Deise. Meu email é danielyca@gmail.com se puder me colocar em contato com ela seria ótimo.
    Felicidades para vocês!

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  4. Oi Bruna,
    é a Adriana de novo, mãe do Antonio Pedro. Estou lendo seu blog desde o início nos intervalos aqui q tenho com o pequeno. Tem coisas q parece q fui eu quem escreveu. incrível. Apesar de menos tempo, meu drama de UTI foi muito parecido com o seu. o maior período de internação tb se deu por causa da inexistência de sucção. E nós tb tivemos um anjo abençoado em forma de fonoaudióloga. O nome dela é Tina Poyart. E por sorte era a fono q atendia lá na UTI da Perinatal em Laranjeiras, onde ficamos. ela fez o AP mamar e por causa dela a gente pôde trazer ele pra casa após 24 dias de internação. continuamos com ela via particular até hj e sei bem como é essencial. Outras coisas como o Eduardo Zein q fez nossos 1ºs exames, as convulsões nas 1ªs 48h... Enfim, fui lendo e revivendo, me vendo... os sentimentos são muito parecidos. e a garra. tb me dedico fulltime ao meu filhote e as recompensas são diárias. hj, assim como vc, posso afirmar q sou abençoada por ter recebido o maior presente q a vida já me deu. Meu filho Antonio Pedro, exatamente como ele é.
    bjs,

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